A violência, o Estado e a concentração de poder

No encontro do dia 4 de março trocamos impressões sobre este texto, excerto da “4ª carta aos meus amigos”, escrita por Silo em Dez.1991

O ser humano, pela sua abertura e liberdade para escolher entre situações, diferir respostas e imaginar o seu futuro, pode também negar-se a si mesmo, negar aspetos do corpo, negá-lo completamente como no suicídio ou negar outros. Esta liberdade permitiu que alguns se apropriem ilegitimamente do todo social, quer dizer, que neguem a liberdade e a intencionalidade de outros, reduzindo-os a próteses, a instrumentos das suas intenções. Aí está a essência da discriminação, sendo a sua metodologia a violência física, económica, racial e religiosa. A violência pode instaurar-se e perpetuar-se graças ao manejo do aparelho de regulação e controlo social, isto é: o Estado. Em consequência, a organização social requer um tipo avançado de coordenação a salvo de toda a concentração de poder, seja esta privada ou estatal.

Quando se pretende que a privatização de todas as áreas económicas põe a sociedade a salvo do poder estatal, oculta-se que o verdadeiro problema está no monopólio ou oligopólio que transfere o poder das mãos estatais para as mãos de um Paraestado, manejado, já não por uma minoria burocrática, mas sim pela minoria particular que aumenta o processo de concentração.

As diversas estruturas sociais, desde as mais primitivas às mais sofisticadas, tendem à concentração progressiva até que se imobilizam e começa a sua etapa de dissolução, da qual arrancam novos processos de reorganização num nível mais alto do que o anterior. Desde o começo da História, a sociedade aponta à mundialização e assim se chegará a uma época de máxima concentração de poder arbitrário, com características de império mundial, já sem possibilidades de maior expansão. O colapso do sistema global acontecerá pela lógica da dinâmica estrutural de qualquer sistema fechado, em que necessariamente tende a aumentar a desordem. Mas, assim como o processo das estruturas tende à mundialização, o processo de humanização tende à abertura do ser humano, à superação do Estado e do Paraestado; tende à descentralização e à desconcentração a favor de uma coordenação superior entre particularidades sociais autónomas. Que tudo acabe num caos e num reinício da civilização ou comece uma etapa de humanização progressiva já não dependerá de inexoráveis desígnios mecânicos, mas sim da intenção dos indivíduos e dos povos, do seu compromisso com a mudança do mundo e de uma ética da liberdade que, por definição, não poderá ser imposta. E haver-se-á de aspirar já não a uma Democracia formal, manejada como até agora pelos interesses das fações, mas sim a uma Democracia real, na qual a participação direta possa realizar-se instantâneamente, graças à tecnologia de comunicação, hoje em dia em condições de fazê-lo.

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