A cura do sofrimento

No encontro do dia 28 de janeiro trocamos impressões sobre este texto, excerto de uma alocução de Silo cujo texto integral se pode encontrar aqui.

Há um tipo de sofrimento que não pode retroceder frente ao avanço da ciência nem frente ao avanço da justiça. Esse tipo de sofrimento, que é estritamente da tua mente, retrocede frente à fé, frente à alegria de viver, frente ao amor. Deves saber que este sofrimento está sempre baseado na violência que há na tua própria consciência. Sofres porque temes perder o que tens, ou pelo que já perdeste, ou pelo que desesperas alcançar. Sofres porque não tens, ou porque sentes temor em geral… Eis os grandes inimigos do homem: o temor à doença, o temor à pobreza, o temor à morte, o temor à solidão. Todos estes são sofrimentos próprios da tua mente; todos eles denunciam a violência interna, a violência que há na tua mente. Repara que essa violência deriva sempre do desejo. Quanto mais violento é um homem, mais grosseiros são os seus desejos.

Gostaria de te propôr uma história que aconteceu há muito tempo.

Existiu um viajante que teve que fazer uma longa travessia. Então, atou o seu animal a uma carroça e empreendeu uma longa marcha rumo a um longínquo destino e com um limite fixo de tempo. Ao animal chamou-lhe Necessidade, à carroça Desejo, a uma roda chamou-lhe Prazer e à outra Dor. Assim então, o viajante levava a sua carroça para a direita e para a esquerda, mas sempre rumo ao seu destino. Quanto mais velozmente andava a carroça, mais rapidamente se moviam as rodas do Prazer e da Dor, ligadas como estavam pelo mesmo eixo e transportando como estavam a carroça do Desejo. Como a viagem era muito longa, o nosso viajante aborrecia-se. Decidiu então decorá-la, ornamentá-la com muitas belezas, e assim foi fazendo. Porém, quanto mais embelezou a carroça do Desejo mais pesado se tornou para a Necessidade. De tal maneira que nas curvas e nas encostas empinadas, o pobre animal desfalecia, não podendo arrastar a carroça do Desejo. Nos caminhos arenosos as rodas do Prazer e do Sofrimento enterravam-se no solo. Assim, desesperou um dia o viajante porque era muito longo o caminho e estava muito longe do seu destino. Decidiu meditar sobre o problema nessa noite e, ao fazê-lo, escutou o relincho do seu velho amigo. Compreendendo a mensagem, na manhã seguinte desbaratou a ornamentação da carroça, aliviou-a dos seus pesos e muito cedo levou o seu animal a trote, avançando rumo ao seu destino. No entanto, tinha perdido um tempo que já era irrecuperável. Na noite seguinte, voltou a meditar e compreendeu, por um novo aviso do seu amigo, que tinha agora de acometer uma tarefa duplamente difícil porque significava o seu desprendimento. Muito de madrugada, sacrificou a carroça do Desejo. É certo que ao fazê-lo perdeu a roda do Prazer, mas com ela também a roda do Sofrimento. Montou o animal da Necessidade e, em cima do seu lombo, meteu-se a galope pelas verdes pradarias até chegar ao seu destino.

Repara como o desejo te pode encurralar. Há desejos de diferente qualidade. Há desejos mais grosseiros e há desejos mais elevados. Eleva o desejo, supera o desejo, purifica o desejo, que haverás certamente de sacrificar com isso a roda do prazer, mas também a roda do sofrimento.

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