Parques, praças e jardins

Piquenique no jardim imaginário

Circulávamos pelo parque General San Martín de Mendoza, esperando que se fizesse um pouco mais tarde para reunirmos com outros amigos. As ma­jestosas árvores amparavam-nos com as suas sombras, deixando passar ainda as últimas luzes já avermelhadas desse entardecer. A atmosfera ganhava magia e eu fiz algum comentário sobre isso…

“Os parques, as praças e os jardins têm as suas raízes muito longíquas, numa espécie de memória ancestral comum a todas as culturas, na remi­niscência do meio rural, que é o nosso âmbito conjunto. Dali proviemos todos, afirmou Mario. E continuou: a nossa espécie era nómada e sedentarizou-se. Do­mesticou as plantas, os animais, até os metais. Organizou-se em assentamentos, enterrou os seus mortos, observando a natureza foi aprendendo. Quando deixou caídas algunas sementes e continuou a sua marcha, ao regressar encontrou-as germinadas e compreendeu que podia semeá-las e vê-las crescer no futuro. Advertiu os ciclos e ritmos, as distintas estações foram alegorizadas e houve sempre um renascer. Essa nova primavera, essa esperança, volta a surgir uma vez mais a partir dos gelos; das escuras trevas, o ciclo continua e abre caminho à evolução.

Como fazemos hoje para projetar o futuro? Não te parece que as cidades atuais agoniam as pessoas? Na vida urbana, vai-se desenvolvendo uma sensibilidade particular que tem muita dificuldade em levantar o olhar e conseguir visualizar a longo alcance. As mentalidades próprias das cidades não atendem aos processos nem aos ciclos, são adversas à consideração de elementos dinâmicos como o nascer, o poder desenvolver-se e criar, o morrer, ou a possibilidade de renascer. Maior dificuldade experimentam ainda com o trascenden­te. Os processos de transformação profunda não são pensados a partir do meio urbano. A própria conformação das cidades não é apropriada para reparar neles, mas apenas para ver o fragmentário. Vê os instantes do presente, como fotos que se sucedem umas atrás das outras, sem conseguir atender ao devenir. Esses atos diferi­dos que permitem semear agora aquilo que intuimos que poderá tomar forma mais além do próprio tempo, não são o mais característico das condutas urbanas; estas, geralmente, baseiam-se em atitudes reflexas e imediatistas, oportunistas, que procuram afastar-se, justamente, daquilo que é processual. A maneira de viver nos assentamentos atuais está fragmentada e é cada vez mais alheia à experiência do tempo da própria vida, ao fluxo cíclico da existência.

Por isso nos sentimos tão bem quando tomamos um pouco de perspeti­va e saimos do nosso ritmo cotidiano, para respirar na atmosfera dos parques essa velha memória que todos temos da ciclicidade, da renovação completa do existente, e da nossa própria natureza.

Observa quantas pessoas vêm a este parque! Inclusamente ao entardecer, chegam a relaxar-se, a estar em silêncio, a sentirem-se tal qual como são. Quantas famílias se instalam nas praças aos Domingos, em todas as cidades. As crianças correm, os mais velhos conversam, não há pressa, os namorados aconchegam-se con­tra o tronco de uma boa árvore e ali planificam o seu futuro… esse amanhã com rebentos, acompanhado de novos seres que trarão ao mundo. O jardim é o rural na sua expressão mínima, o regresso à terra, à sementeira, à colheita. É uma flor que se abre devolvendo o assombro.

Quando as pessoas das cidades conseguem vincular-se intimamente com as do campo, tudo avança. Porque as raízes que temos, as de todas as cultu­ras, estão situadas nos campos e não nas zonas urbanas. As nossas origens, o nosso magma comum naqueles tempos ancestrais, são rurais.

(…)

Em todas as cidades extensas deste planeta encontras um parque central e grande por onde passear. Se observarmos bem, ali confluem sem tanta distinção os cidadãos que passeiam os animais com os que acabaram de deixar os seus animais, porque acabaram de emigrar vindos do campo. Nos parques todos nos reencontramos, nas praças somos novamente memória coletiva, seres pertencentes a um mundo agrícola, cíclico, capaz de renascer a cada momento. Os parques, praças e jardins renovam a esperança.”

In “El Maestro de Nuestro Tiempo”, Relatos de Pía Figueroa

Deixar uma resposta